A Polícia Civil de Quirinópolis vai enviar nos próximos dias para o Instituto de Criminalística de Goiânia as quatro ultrassonografias que apontaram a gravidez de gêmeos em uma mulher que só recebeu um filho. A ideia é esclarecer se houve um erro de diagnóstico, hipótese levantada pela obstetra que fez o parto.
Em depoimento, a médica disse que a segunda criança era, na verdade, apenas o “reflexo” no líquido amniótico de um único feto que Aline Parreira de Jesus esperava.
Apesar de a polícia considerar essa hipótese de erro no exame, o médico Waldemar Naves do Amaral, membro da Sociedade Goiana de Ginecologia e Obstetrícia e especialista em diagnóstico por imagem/ultrassonografia, diz que esse tipo de caso é “muito raro” de acontecer e que o reflexo no líquido amniótico não seria o causador da confusão.
“É muito pouco provável. Chama de imagem especular [referente a espelho]. Não é própria da gravidez este tipo de imagem. Tudo é possível, mas geralmente não é a fonte destes artefatos. Artefato é a imagem que você está vendo, uma imagem falsa. Ela aparece, mas não é real”, informou o ginecologista e obstetra.
“Em medicina tudo é possível, mas não é a regra. Em regra geral, o líquido amniótico não faz isso, mas não podemos negar essa possibilidade, porque existe na ecografia a imagem especular”, comentou o médico.
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Grávida dá à luz e recebe apenas um bebê após exames mostrarem gestação de gêmeos, em Quirinópolis Goiás — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
O que poderia produzir falsa imagem no útero
Segundo o obstetra, que também é vice-diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), não é comum, durante o exame de ecografia, visualizar um segundo feto.
“Para dar imagem especular, de espelho, teria que ter a quantidade de líquida aumentada. Tem que ter uma insonação [do ultrassom] neste líquido amniótico gerando uma convexidade lá na parede do útero, que gera uma condição de espelho, e aí você consegue gerar uma imagem especular, mas não é o mais frequente”, relatou.
Para ele outras questões levam a crer que não houve produção do reflexo, que são os exames feitos em datas diferentes, com examinadores e equipamentos diferentes.
Segundo a delegada Simone Casemiro Campi, responsável pelo caso, quatro ultrassonografias foram feitas por Aline entre os meses de junho e setembro.“Foram feitas duas em uma clínica particular pelo mesmo médico e equipamento. E as outras duas na rede pública, com médicos diferentes, que usaram um mesmo equipamento da unidade”, informou Simone.
Waldemar afirma que é difícil imaginar tal cenário, porque seriam três erros médicos, e falha em mais de um equipamento.
“Na minha concepção, essa mãe tem que ser melhor avaliada, porque se mudou o examinador, mudou o equipamento, e a imagem continuou, a origem do artefato [falsa imagem] provavelmente é materna. Não me aprece um erro de equipamento e examinadores”, informou o especialista.
“Eu não vi o prontuário dela, estou seguindo o que eu ouvi e li na imprensa, mas a única variável que permaneceu foi a mãe. As outras duas variáveis sumiram, você trocou a variável. O meu raciocínio é que existe um evento materno que está promovendo o artefato”, afirmou.
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Aline Parreira de Jesus recebeu apenas um bebê após exames mostrarem gestação de gêmeos, em Quirinópolis — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
O representante da Sociedade Goiana de Ginecologia e Obstetrícia informou ainda que algumas condições em gestantes podem ocasionar confusões na hora da ultrassonografia, como o fato das mulheres serem obesas ou terem ganhado peso na gravidez, serem diabéticas e antecedentes cirúrgicos extensos no abdômen.
“A visão fica prejudicada. Fica uma penumbra lá dentro e pode haver confusão diagnóstica, porque esse ambiente materno está deformado. Pode acontecer também quando a mãe tem muita cirurgia anterior à gravidez, tipo apendicite, que gerou muita aderência na parede abdominal dela, que atrapalha a visão do ultrassom, podendo gerar artefatos”, disse o ginecologista.
Não é 100% garantido
Com 32 anos de profissão e fazendo relatórios para o Brasil inteiro sobre intercorrências em ultrassom, entre elas a questão da gemelidade, o médico ressalta que o exame de ultrassonografia não dá um resultado 100%.
“O resultado do exame de ultrassom é de 95 a 99% preciso. É excelente, só não é 100%. Vai ter falha de resultado? Vai. É um diagnóstico indireto. Você não está vendo o órgão diretamente, então ele é uma imagem à distância, e aí pode surgir um artefato entre o examinar e o paciente”, comentou.
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Laudo do ultrassom indica a existência de dois fetos — Foto: Reprodução/TV Globo
A delegada Simone Casemiro Campi informou que não tem previsão para pedir para uma análise mais detalhada sobre Aline.
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Mãe que recebeu só um bebê após exames mostrarem que ela esperava gêmeos desabafa: ‘Muita revolta’ — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
Redução embrionária
Mesmo não sendo uma situação que se encaixe no caso de Aline Parreira de Jesus, a redução embrionária, segundo o médico, é outro fator que costuma causar confusão quando mulheres não fazem exames em diferentes períodos da gestação.
“A natureza humana faz a redução embrionária em 50%. É muito alto. De cada dez gemelares no primeiro trimestre da gravidez, fica só a metade – cinco somem. Nas primeiras 14 semanas, em 50% delas um dos bebês morre, isso é natural da natureza humana. Ao morrer, ele sofre mumificação, ele atrofia e desaparece”, comentou.
Ele lembra de uma situação que aconteceu há cerca de 20 anos, em Nerópolis, também em Goiás, quando uma mulher acreditava estar esperando gêmeos e só teve um bebê.
“Virou até notícia nacional, capa de jornal em Goiás. A paciente fez exame, deu que era gêmeo, depois ela nunca mais voltou para fazer ultrassom. Na época a cidade toda se juntou para fazer o enxoval para gemelar e, na hora de nascer, nasceu só um. E, na verdade, não teve erro de ninguém”, lembrou o médico, que atuou como perito para o caso que parou na Justiça .
“Se o feto morrer com menos de dois meses, ele some totalmente, não fica nem rastro. Já no terceiro mês para a frente ele tem a formação óssea bastante forte, então ele não desaparece, ele mumifica, atrofia e fica no canto da placenta. Em regra geral, nem se percebe quando nasce porque se mistura a placenta”, informou.
FONTE: G1